Se tens quase vinte anos provavelmente já não precisas de pai. Podias até já ter saído de casa. Vejamos: os teus pais estão divorciados há uns seis anos, ficaste a viver com a tua mãe e o teu pai está-se nas tintas para ti. Ou então, disfarça lindamente. O teu pai deixou de te ajudar em tudo. Se tens 18 anos e queres ir para a faculdade tens mais é que ir trabalhar porque para isso já és adulta, para outras coisas talvez não, é conforme o que interessa aos que já são realmente adultos. O teu pai prefere gastar o dinheiro dele em tabaco e nos jogos da santa casa do que dar-te alguma coisa. Paga-te um lanche de meio em meio ano e dá-te cinco euritos para comprares qualquer coisinha para ti. Menos mal, sempre dá para um jantarinho no burguer king ou para apanhar uma bebedeira e "comemorar" o facto do teu pai não te ligar nenhuma. Quando está contigo não consegue ter uma conversa decente. Pergunta da escola e pouco mais. Pergunta sempre em que ano estás e quando acabas o curso. Não percebes a pergunta porque visto que ele não contribui nem com um cêntimo também não tem de se preocupar se estás na faculdade durante três anos ou durante dez. Faz questão de dizer sempre, em seguida, o quão inteligente é a filha da sua nova mulher. Imaginas se ele alguma vez fala de ti aos outros e gaba o facto de estudares há 14 anos e seres quase doutora. Tens quase a certeza que não e as lágrimas vêm-te aos olhos. Ficas com vontade de o mandar à merda juntamente com a filha da outra. E já agora à outra também porque foi ela que desde que apareceu te quis lixar a vida, tu é que não deixaste. Vinte minutos depois vais embora porque não há mais nada a dizer e as visitas dele são sempre de médico. Ele não é médico mas trabalha nas obras e afirma ser um homem muito ocupado. Provavelmente leva trabalho para casa, coitado. 90% das vezes que estiveste com ele desde o divórcio serviram apenas para te dizer o quanto sofre e o quanto a tua mãe lhe lixou a vida. Ficas calada. O teu feitio é mesmo assim, guardas tudo aí dentro. Não querendo ser má mas sinceramente és um bocado parvinha. Não era melhor levantares a voz e dizeres o que te vai na cabeça? Ele não te vai ligar nenhuma mas sempre ficavas mais levezinha. Olha que a guardar dessa maneira não há-de tardar que chegues à obesidade.
Basta pensares no teu pai e as lágrimas batem à porta. Não tiveste culpa do que se passou mas sempre fizeram questão de te meter lá para o meio. Já ultrapassaste o divórcio, foi o que sempre disseste a quem te perguntou sobre os teus pais. E é verdade, não andas a mentir a ninguém. Mas aí dentro, o que mais querias era que nada tivesse acontecido e que ainda estivessem juntos. De certeza que teria sido muito mais fácil. Ou talvez não, nunca saberás. É raro falares sobre isso, não te sabes expressar e achas que ninguém te quer ouvir porque, como tu, provavelmente acham que é algo que não interessa. Mentes ao dizer que vais deixar de ser parva e que não vais voltar a ir ter com o teu pai. Talvez gostes de sofrer, já estás habituada, é um ciclo vicioso. Mentes ao dizer que a situação não te afecta. Muito ou pouco, é óbvio que sim. Pensas que é estúpido sofreres por isso. A questão é se precisas de um pai ou se o queres. E minha amiga se te serve de algum consolo, não precisas dele para nada. Tu sabes disso. O teu problema é que o queres. Invejas as tuas amigas que têm uma conversa com o pai durante mais do que vinte minutos. A lagriminha bate à porta quando dizem que foram passear com ele, quando vês um pai dar mimo à sua menina no meio da rua. Sonhas que o teu se importa um bocadinho que seja contigo e que te dá um abracinho apertado. Mas sabes que provavelmente isso nunca vai acontecer. Queres ter filhos mas tens medo porque um dia podem vir a sofrer tanto como tu. Não sabes o futuro mas continuas a ter esperança.
Choras o rio Tejo ao escrever um texto igual a este.